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Arquitetos: Merooficina
- Área: 340 m²
- Ano: 2020
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Fotografias:José Campos
Descrição enviada pela equipe de projeto. Casas do Manoel é o projecto de recuperação de um edifício de 1937, construído na iminência de uma modernidade tardia. A reabilitação deste edifício partiu da vontade de habitar o centro do Porto. Não surgiu de uma encomenda comum, mas de um projecto auto-proposto, um exercício de procura, de avaliação, de projecto e obra, que tentou re-adaptar este edifício praticamente devoluto a uma realidade urbana em profunda transformação.
Situado numa movimentada esquina do centro do Porto, Casas do Manoel, faz parte de um conjunto de três edifícios idênticos que integram uma interessante tipologia de prédios de gaveto e que surgiram a partir de uma lógica de investimento em habitação mais informada das realizadas até então, mais próxima dos habituais “prédios de rendimento” que já proliferava décadas antes em Lisboa.
Estes exemplos surgiram na sequência do processo de ocupação dos espaços ainda livres nesta zona da cidade, desde jardins, a lotes agrícolas e vazios desocupados. Estes edifícios concretizam-se no desfasamento temporal marcado pela abertura dos grandes arruamentos e avenidas que ligavam, de forma concêntrica, a cidade mais recente à cidade histórica, funcionando como charneira entre os eixos com séculos de ocupação, e as novas transversais recentemente densificadas.
O conjunto das Casas do Manoel caracteriza-se por uma organização em três lotes de frente estreita, tal como os que marcam a expansão almadina do centro do porto. Uma suave metamorfose ainda marcada por lógicas construtivas e modos de ocupação antigos, que foi rompendo delicadamente com a linguagem tradicional do resto das construções mais antigas quando novos materiais e novas soluções construtivas começaram a ser usados de forma corrente.
Durante este período, a introdução de estruturas e elementos em metal e betão armado foi permitindo construir edifícios mais altos e mais delicados, com mais largas e generosas aberturas, assim como inovar nos motivos decorativos, alterando decisivamente a relação dos edifícios com o espaço em volta.
A recuperação e a nova distribuição de Casas do Manoel foi pensada seguindo a simplicidade e geometria deste edifício. Mantiveram-se as suas principais características: o esguio corredor conserva a sua importância de galeria interior, transportando os habitantes horizontalmente por todo o edifício, e a caixa de escadas mantém a luminosidade e materialidade com que foi construída. Os novos elementos são marcados pela presença dos materiais existentes: o metal das caixilharias, os aros de madeira, o verde dos azulejos, o mosaico hidráulico e o mármore das pias repetem- se em novos locais, novas formas e novas texturas.
Alguns destes antigos elementos e materiais foram mantidos quase sem recuperação. As naturais dificuldades encontradas nestes processos de restauro de elementos extraordinários de edifícios de uso corrente conduziram muitas vezes à opção de parar de recuperar deixando intocável e não alterando.
Nestes momentos, o respeito pelo fazer humano e o prazer em usar e apreciar esse feito confundem-se com decisões de estranhos remates e acabamentos, levando a uma mimetização que desiste da analogia e se distingue de forma clara do existente. A entrada, a caixa de escadas e as varandas, pelo seu carácter, são os locais onde estas opções se tornam mais evidentes.
No processo de aproveitamento dos vários recursos existentes, a morfologia e a tipologia do edifício permitiram que este se ajustasse a uma nova distribuição, com cinco apartamentos em vez dos três existentes, e às novas necessidades de conforto actuais. Assim, pretendeu-se que as intervenções que esta nova organização motivou fossem pouco intrusivas e facilmente reversíveis, mas que dialogassem intensamente com os notáveis elementos construtivos e decorativos pré-existentes, de clara referência a um período tardio de influência das beaux arts.
A metamorfose levada a cabo partiu do entendimento da configuração, carências e consequente necessidade de adaptação deste edifício corrente, levando-nos a uma reabilitação que tentou ir para além de um “simples restauro”, que respeita o antigo e o existente, e a criar um novo significado para o projecto e para obra que ele tenta produzir. Procurou-se assim contribuir para a preservação da memória colectiva do local, continuando o produto do estilo das várias formas de vida que o foram ocupando e irão ocupar nos próximos anos.